A Deusa e o Deus: a interação que cria o mundo, as
estações e toda realidade manifesta
Das
origens primitivas do Neolítico e Paleolítico surgiram todas as formas de Magia
e religião e a inspiração para recriar muitas outras formas de espiritualidade
que surgiram posteriormente, incluindo a Wicca. Exatamente por isso honramos o
Sagrado Feminino em todas as suas muitas manifestações. Para as crenças
Wiccanianas, o universo e tudo o que existe foi criado pela Deusa, que é
considerada a primeira divindade da humanidade desde o início dos tempos, de
acordo com as evidências arqueológicas. É possível traçar a figura de Deusa
através do tempo já que podemos historicamente documentar significados e
significância. Um Wiccaniano para ampliar seus conhecimentos e práticas, deve
traçar a Deusa Primordial através do tempo e fazer conexões que pareçam
plausíveis. Deve explorar a Deusa em suas muitas culturas como Egito,
Mesopotâmia, Creta e Europa e em sua procura por pontos convergentes procurar
traçar a associação da Deusa com os animais tal como pássaros, gado e cobras ao
longo do seu caminho de exploração. Seguramente os paleo-europeus acreditavam
que o poder criador universal era feminino e adoravam as forças da natureza
como forma de estabelecer contato com o Divino. O culto à Deusa Mãe é muito
anterior à Era de Touro (4000 AEC à 2000 AEC),tempo em que os homens viviam da
caça e pesca e as mulheres eram as grandes Sacerdotisas, Xamãs e detentoras do
poder religioso. Nesta época o respeito ao feminino e aos mistérios da
procriação estavam em seu apogeu. Os homens ainda não tinham associado o ato
sexual à concepção e viam a gravidez e o nascimento como algo sagrado, recebido
diretamente dos Deuses. Os homens ancestrais acreditavam que as mulheres
engravidavam deitadas ao luar, através da Grande Deusa personificada como a
própria Lua. Foi à partir daí, que o conceito do Sagrado Feminino passou a
existir e prevaleceu durante milênios. Nossos ancestrais acreditavam que o
poder que conspirou para que o Universo existisse era feminino e por isso
cultuavam a Deusa como a Criadora do mundo e de tudo aquilo que existe nele.
Segundo as crenças Pagãs primitivas, essa Deusa geralmente simbolizada pela
Terra e/ou pela Lua teria
criado
tudo e todos, até seu próprio complemento, o Deus, que era personificado
através do Sol. A adoração à Deusa foi a primeira religião estabelecida pelos
seres humanos. Como vimos anteriormente, muitas evidências arqueológicas
incluindo estátuas, amuletos, cerâmicas, pinturas nas cavernas e outras imagens
indicando a veneração da Deusa foram descobertas comprovando a existência de um
culto primordial, onde uma Divindade Criadora feminina era adorada.
Torna-se claro,
assim, que uma Deusa, e não um Deus, foi a divindade central de culto para as
antigas civilizações. Essas esculturas são tão antigas que datam do paleolítico
superior, que ocorreu por volta de 25.000 AEC, e foram sempre encontradas perto
de grutas, cavernas, círculos de pedras e cemitérios o que seguramente as
conecta com algo sagrado. Merlin Stone, em “When
God was a Woman” (Quando Deus era
uma Mulher), diz, "Arqueólogos
localizaram evidências de adoração a Deusa antes das comunidades do Neolítico
de cerca de 7000 AEC, algumas das esculturas datam do Paleolítico Superior, de
cerca de 25,000 AEC. Desde as origens Neolíticas, sua existência foi comprovada
repetidamente até os tempos romanos".
As
estatuetas que representam a Deusa não foram meras decorações das pessoas que
as criaram, mas sim objetos profundamente importantes porque representavam o
meio pelo qual os seres humanos se expressavam antes mesmo de começarem a
utilizar a fala. A arte, através da história, sempre revelou o que as culturas
valorizavam e o conhecimento que tentavam passar às gerações futuras.
Claramente o parto, a maternidade e sexualidade feminina eram considerados
sagrados. Isto nos mostra que estas culturas tiveram pouco ou nenhum
conhecimento do papel do homem na reprodução. Para todos, a mulher concebia o
bebê por ela mesma. Sexo não era associado com o parto e as mulheres foram
consideradas as doadoras exclusivas da vida. Até hoje, algumas culturas
isoladas na Terra, acreditam que o homem não tem participação alguma na
concepção. Além disso, como o conceito de paternidade ainda não tinha sido
entendido, as crianças só pertenciam às mães e a comunidade. Crianças
"ilegítimas" não existiam. As crianças levavam o nome de suas mães e
a família descendia pela linhagem materna. Esta estrutura social, baseada na
afinidade feminina, é chamada de "matrilinear" e ainda existe em
algumas partes da África, Índia, Melanésia e Micronésia. As culturas primitivas
eram freqüentemente matrifocais e isto significa que quando uma mulher casava,
o marido ia morar com a família da esposa, ao invés da mulher ser desarraigada
e se mudar para a casa da família do marido. Isto significa todo o poder e o status que as mulheres detiveram na
sociedade teria sido certamente cada vez mais alto se não fosse a queda
matrilinear. Se não fosse o domínio patriarcal na sociedade e religião,
mulheres jamais teriam sido totalmente dependentes dos homens e consideradas
suas propriedades. A importância da virgindade e castigos por adultério não
teriam existido, pois eles fazem parte de conceitos patrilineares, onde a
paternidade é mais estimada que a maternidade. A adoração da Deusa nas culturas
antigas incluía o papel principal das mulheres nos trabalhos religiosos e
celebrações sagradas. As mulheres eram as grandes sacerdotisas, adivinhas,
parteiras, poetisas e curandeiras. Elas presidiam templos erguidos a Deusas
como Ishtar, Isis, Brigit, Ártemis e Diana, que estão entre as mais populares.
Do envolvimento das mulheres com a religião vieram muitos avanços como o
conhecimento do poder das ervas, que curavam os doentes e aliviavam a dor do
parto. Até o primeiro calendário, o calendário lunar, que foi utilizado por
muito tempo, pode ter começado com mulheres que observavam seus ciclos
menstruais e os comparavam com os ciclos de Lua. Além da astronomia, as
mulheres desenvolveram também os idiomas, a agricultura, a culinária, a
cerâmica e muito mais. As contribuições de mulheres para as culturas humanas
são inúmeras e nunca tiveram o devido crédito e valor. A Deusa é o princípio Divino
Feminino, a Divindade suprema adorada na Wicca. Ela seguiu sendo reverenciada
ao redor do mundo por milhares de anos até que foi silenciada através das
religiões patriarcais. Em anos recentes a Deusa e seus cultos tiveram
ressurgimento e hoje contam com grande popularidade entre as feministas, que
buscam uma dimensão espiritual para as suas causas políticas aqueles que se
interessam pelas religiões antigas, abrangendo aqui todas as manifestações
Pagãs pelas mulheres e homens comuns que sentem que algo está se perdendo nas
proeminentes religiões organizadas de hoje. É difícil definir a Deusa em alguns
parágrafos, mas a versatilidade é uma de Suas características mais
interessantes. Para alguns Ela é a única Divindade existente. A Deusa não é
necessariamente vista como uma pessoa, mas uma força multifacetada de energia
que se expressa em uma variedade de formas e pode ter inúmeros nomes
diferentes. Ela foi chamada Ishtar, Astarte, Inanna, Lillith, Isis, Maat,
Brigid, Cerridwen, Gaia, Demeter, Danu, Arianhod, Ceridwen, Afrodite, Vênus,
Artemis, Athena, Kali,Lakshmi, Kuan-Yi, Pele e Mari, entre muitos outros nomes.
A Ela foram atribuídos muitos símbolos, como serpentes, pássaros, a Lua e a
Terra. A Deusa é a Criadora de todas as coisas e ao mesmo tempo a Destruidora.
Tudo vem Dela e tudo retornará à Ela. A Deusa está contida em tudo e vive na
Terra, nós céus, no mar, em cada botão de flor, em cada pingo d’água e em cada
grão de areia. Ela não é um Ser distante e intocável, mas sim uma Divindade que
está aqui conosco, vive e se manifesta em cada um de nós. Ela é Donzela, a Mãe
e a Anciã. Ela é você, Ela sou eu, Ela é tudo e todos.
Nas
praticas Pagãs a Deusa possui 3 aspectos distintos. A Triplicidade da Deusa é
muito anterior ao Cristianismo e não é difícil que seja ela quem deu origem ao
pensamento da Trindade Cristã. Porém na Wicca, a Triplicidade se refere a 3
estados distintos da mesma divindade. Cada um destes aspectos tem suas
características particulares, distintas das outras e cada uma delas traz a possibilidade
de serem relacionados com aspectos internos de nossa psique. Suas três faces
são a Donzela, Mãe e Anciã, os seus aspectos reverenciados por toda a
humanidade desde tempos imemoráveis. A Donzela representa os impulsos, os
começos e está relacionada a Lua Crescente. A Mãe é a Doadora da Vida, a Grande
Nutridora e está associada à Lua Cheia. A Anciã é a detentora da sabedoria, A
Grande Conhecedora e Transformadora e está associada a Lua Minguante. A Deusa é
abrangente porque pode ser tudo que você quiser que Ela seja. A maioria dos
seguidores da Deusa compartilham algumas convicções em comum. Starhawk, uma das
mais atuantes Bruxas modernas e autora do livro "Dança Cósmica das Feiticeiras" afirma que os três
princípios da religião da Deusa são: a imanência, interconexão e comunidade.
Imanência é o meio pelo qual a Deusa está presente na Terra e em nós: a
natureza, a cultura , a vida. Interconexão é o meio pelo qual todos os seres
estão relacionados e a forma como estamos unidos ao Cosmo. Como comunidade,
crescimento e transformação passam por interações íntimas, basicamente, a lei
da Deusa é Amor: Amor Incondicional. Ela não tem nenhuma ordem a ser seguida a
não ser o Amor, em todas as suas manifestações e formas. A Deusa teve grande
popularidade e proeminência até as religiões patriarcais como Judaísmo,
Cristianismo e Islamismo silenciarem-na. A mudança para o patriarcado foi
gradual e procedeu de uma reformulação nos sistemas de parentesco que se tornou
de matrilinear a patrilinear. A ênfase na paternidade e no homem é clara e
evidente nas principais religiões praticadas até hoje. A relação de pai/filho e
Deus/Jesus é a chave do Cristianismo, embora a figura da mãe tenha conseguido
persistir e aparecer no Catolicismo como Maria, que curiosamente é chamada de
“A Mãe de Deus”. Outros fatores relativo à ascensão das religiões patriarcais
foi a ênfase das ditaduras militares, que aumentaram o culto aos Deuses
guerreiros. Esther Harding escreveu em Women's Mysteries (Mistérios das Mulheres), "A elevação do poder masculino e da
sociedade patriarcal provavelmente começou quando o homem passou a acumular
bens, o que não é comunitário, propriedades e achou que a força pessoal dele e
a sua coragem pudessem aumentar suas posses e riquezas. Esta mudança de poder
secular coincidiu com o aumento da adoração ao Sol sob um sacerdócio masculino
que começou a substituir os muitos cultos à
Lua realizados desde tempos imemoráveis"
Assim,
como os homens ganharam poder sobre as mulheres e o masculino se tornou a
Grande Divindade, o Sagrado Feminino passou a ser reconhecido cada vez menos. A
ausência do culto à Deusa trouxe guerras, crimes, regras e a tirania. A maioria
das religiões atuais da humanidade são baseadas em figuras e princípios divinos
masculinos, com Deuses e Sacerdotes ao invés de Deusas e Sacerdotisas. Durante
milênios, os valores femininos foram colocados em segundo plano e em muitas
culturas as mulheres fora subjugadas e passaram a ocupar uma posição inferior
aos homens, quer seja no nível social ou espiritual. A Wicca busca recuperar o
Sagrado Feminino e o papel das mulheres na religião como Sacerdotisas da Grande
Mãe, além da complementaridade e equilíbrio entre homem e mulher, simbolizados
através da Deusa e do Deus, que se complementam.
O
Deus é representa os aspectos masculinos da criação. Ele é o Deus Cornífero, o
protetor das florestas e dos animais que presidia principalmente a caça. Ele é
considerado o primeiro nascido, sendo ao mesmo tempo filho e amante da Deusa.
Para alguns isso pode parecer incestuoso, mas o simbolismo é fácil de ser
compreendido: o Deus é ao mesmo tempo filho e consorte da Grande Mãe porque ele
expressa o Sagrado Masculino e simboliza analogamente os homens, que nascem de
uma mulher para se unir com outra. Simbolicamente, ao final, todos os homens se
unirão em casamento ao mesmo princípio que os gerou, o Feminino. O
reconhecimento e reverência ao Deus Cornífero surgem tempos depois do culto à
Deusa e ele foi proeminente no Paleolítico, aproximadamente 12 mil anos atrás,
onde os homens o representaram nas paredes das cavernas. Assim, mesmo sendo
considerada uma religião centrada no Sagrado Feminino, a Wicca é baseada na
dualidade que reflete o equilíbrio e energia da natureza.
A Deusa é
considerada a doadora da vida enquanto o Deus é o fertilizador.
A
Deusa é todas as mulheres e o Deus é todos os homens. É necessário deixar claro
que a visão do Deus para a Wicca em nada se parece com o Deus patriarcal
expresso pelas religiões judaico-cristãs. O Deus da Wicca é vivo, forte,
sexual, ligado aos animais, não sendo em nada semelhante ao assexuado e
transcendental Deus monoteísta. Ele representa tudo o que é bom e prazeroso
como a vida, o amor, a luz, o sexo, a fertilização.Com a chegada do Cristianismo
na Europa com todo o seu conjunto de pecados, proibições e tabus sexuais, o
Deus Cornífero foi transformado na figura do Demônio e do mal pelos primeiros
Cristãos. Até então o Diabo jamais tinha sido representado com chifres na
cabeça e isso só aconteceu para denegrir a imagem do Deus dos Bruxos. O Deus
Cornífero orna chifres em sua cabeça não por ser o Diabo, pois Bruxos nem nele
acreditam, mas por causa da sua ligação com os animais e a caça. Ele não é de
nenhuma forma o Demônio e muito menos é o Deus Cristão. Ele é, sim, o Deus
Pagão da natureza e da vida. O Deus Cornífero é geralmente representado ornando
chifres de veado. Nas culturas antigas o veado é um importante animal
simbólico. Parece que na arte das cavernas ele teria constituído, junto com um
touro, do mesmo modo que o cavalo e o boi selvagem, um sistema dualístico
mítico-cosmológico, de acordo com historiadores. Por causa de seus chifres
serem semelhantes às árvores e se renovarem periodicamente, o veado era
considerado símbolo da vida que rejuvenesce de modo contínuo, do renascimento e
do decorrer do tempo. Na mitologia nórdica antiga, 4 veados teriam se
alimentado dos ramos da árvore do mundo, a Yggdrasil, comendo seus frutos
(horas), flores (dias) e ramos (estações do ano). Na Antiguidade ele era
considerado inimigo da serpentes venenosas, sua pele era um amuleto contra
mordidas de cobra, e o pós do chifre defendia sementes de sortilégios. Na
cultura celta o veado é o primeiro dos quatro animais sagrados a ser mencionado
no poema de Amergin. Existe uma relação próxima entre o veado e o javali na
mitologia céltica. É a relação da luz crescente e minguante no ciclo do ano.
Ambos são criaturas do Outro mundo, que cruzam os limites entre os mundos
servindo como mensageiros ou guias através destes limites. Um é associado como
"Dia" e o outro com "Noite" do ano. Depois de Beltane, o
javali se torna um animal solar talentoso com sabedoria poética e a potência do
veado está no limiar do verde, crescendo terra abaixo. E depois de Samhain, é
quando o Javali que agora é um leitão, vaga sobre a Terra estéril disfarçada em
uma Deusa medrosa, enquanto o veado mora nos reinos celestiais como uma
presença brilhante, oferecendo esperança. O veado é um mensageiro apropriado
para a grande mudança que está para acontecer depois do Solstício de Inverno.
Embora a Terra permaneça escura e infrutífera, as noites são muito mais longas
que os dias, a luz começou a crescer mas é ainda imperceptível. Estamos ainda
envolvidos na escuridão dos tempos, mas uma centelha começa a arder diante de
nós, lembrando-nos para ficar em contato com a energia vital, pois em breve
estaremos na luz. O "veado de sete galhos," que tem sido forte, por
muitos ciclos de crescimento e minguamento, sempre lutou em busca de uma vida
triunfante, é um guia no qual podemos confiar. O veado é flexível, tenso,
indiferente e incrivelmente forte. Personifica o espírito selvagem e é o
emblema antigo não só do Deus, mas da Deusa como doadora do nascimento. Por
outro lado, seus chifres ramificados estão ligados aos raios do sol. Cervo,
outro nome pelo qual os veados são chamados, quer dizer "fogo
brilhante", ou seja, o próprio sol. O sol sempre esteve ligado ao Deus.
Por ser simbolizado pelo sol, o Deus mostra suas diferentes faces através da
viagem do astro pelas 4 estações do ano. Isto reflete as mudanças dos ciclos
sazonais. Ele nasce no Solstício de inverno como um jovem bebê, cresce na
Primavera se tornado um jovem viril. No verão ele atinge sua maturidade e no
outono torna-se o sábio Ancião, se preparando para retornar ao ventre da Deusa
e renascer no primeiro dia do inverno. A união da Deusa e do Deus traz vida e
luz à Terra e por isso é sagrada. Eles são considerados parte de nós e estão
vivos em todas as coisas e em todos os lugares. Os Wiccanianos cultuam seus
Deuses para pedir por saúde, paz, harmonia, sucesso e prosperidade da mesma
forma que os praticantes de quaisquer outras religiões fazem. No nosso dia a
dia desenvolvemos uma prática constante de meditações, rituais e invocações que
possibilitam o desenvolvimento de nossa relação com o Sagrado. Qualquer pessoa
pode e deve explorar a energia e poder da Deusa e do Deus em sua vida. Sua lei
é o amor em suas múltiplas formas. Se você for capaz de amar você poderá
alcançá-los. Eles estão dentro de todos nós, esperando o nosso chamado para que
possamos nos tornar um reflexo do seu amor.
(Fonte: Wicca para Todos, Claudiney Prieto)
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