sexta-feira

A queda dos anjos maus


A queda dos anjos maus

"Tu, desde o principio, quebraste o meu
jugo, rompeste os meus laços e
disseste: — Não servirei!”
 (Jer 2,20)

DEUS CRIOU OS ANJOS num alto estado de perfeição natural e além disso os elevou à ordem sobrenatural. É de fé que todos os espíritos angélicos foram criados bons.*

 *Essa é uma conseqüência obrigatória da verdade de fé, de que todos os espíritos angélicos foram criados por Deus, atestada pelo símbolo niceno-constantinopolitano (o Credo da Missa), o qual proclama: “Creio em Deus Pai Todo-poderoso, criador... das coisas visíveis e invisíveis”; essa verdade foi ainda definida nos Concílios IV de Latrão e I Vaticano.

A Sagrada Escritura, com efeito, chama-os “filhos de Deus" (Jó 38, 7), “santos” (Dan 8, 13), “anjos de luz” (2 Cor 11, 14). Entretanto, os próprios Livros Sagrados se referem a “espírito imundos” (Lc 8, 29); “espíritos malignos” (Ef 6, 12); “espíritos piores" (Lc 11, 26); e outras expressões análogas.

Isto indica que certos anjos tornaram-se maus, tiveram sua vontade pervertida. Em suma: pecaram.

A batalha no Céu

“Tu, desde o princípio, quebraste o meu jugo, rompeste os meus laços e disseste: — Não servirei!” (Jer 2, 20).

Este versículo do Profeta Jeremias sobre a revolta do povo eleito contra Deus tem sido aplicado à revolta de Lúcifer. Mas ao brado de rebelião de Lúcifer “Não servirei!” — respondeu São Miguel com o brado de fidelidade: “Quem é como Deus!” (significado do nome Miguel em hebraico). No apocalipse, São João descreve essa misteriosa batalha que então se travou no céu:

"E houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão com os seus anjos pelejavam contra ele; porém estes não prevaleceram e o seu lugar não se achou no céu. E foi precipitado aquele grande dragão, aquela antiga serpente, que se chama o Demônio e Satanás, que seduz todo o mundo; e foi precipitado na terra e foram precipitados com ele os seus anjos” (Apoc 12,7-9). O próprio Jesus dá testemunho dessa queda: “Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago” (Lc 10, 18). “(O Demônio) foi homicida desde o principio, e não permaneceu na verdade" (Jo 8,44).

Os anjos podiam pecar

Como poderia o anjo ter pecado, uma vez que ele não está sujeito às paixões ou ao erro no entendimento, como nós homens?

"Como compreender semelhante opção e rebelião a Deus em seres de tão viva inteligência?” — pergunta João Paulo II. O Pontífice responde: “Os Padres da Igreja e os teólogos não hesitam em falar de cegueira, produzida pela supervalorização da perfeição do próprio ser, levada até o ponto de ocultar a supremacia de Deus, a qual exigia, ao contrário, um ato de dócil e obediente submissão. Tudo isto parece expresso de maneira concisa nas palavras: "Não servirei" (Jer 2, 20), que manifestam a radical e irreversível rejeição de tomar parte na edificação do reino de Deus no mundo criado. Satanás, o espírito rebelde, quer seu próprio reino, não o de Deus, e se levanta como o primeiro adversário do Criador, como opositor da Providência, antagonista da sabedoria amorosa de Deus”  (Apud Mons.C. BALDUCCI, El díablo, p. 20.)

E o Papa explica que os anjos, por serem criaturas racionais, são livres, isto é, têm a capacidade de escolher a favor ou contra aquilo que conhecem ser o bem: “Também para os anjos a liberdade significa possibilidade de escolha a favor ou contra o bem que eles conhecem, quer dizer, o próprio Deus”. (João Paulo II, Mcm, ibidem). Criando os anjos racionais e livres, quis Deus que eles - com o auxílio da graça — fossem os agentes de sua própria felicidade ou de sua perda, caso cooperassem ou resistissem à graça. Para que merecessem a felicidade eterna, submeteu-os a uma prova.

É de fé que todos os espíritos angélicos foram submetidos a uma prova. Entretanto, não sabemos qual teria sido essa prova. Os teólogos procuram excogitar qual teria sido.

O pecado dos anjos maus

Qual teria sido a prova a que foram submetidos os anjos? E qual teria sido o pecado dos que sucumbiram à prova?

Um pecado de soberba

Acredita-se comumente que tenha sido um pecado de orgulho,  de soberba, pois a Escritura diz que “foi na soberba que teve início toda a perdição” (Tob 4, 14).

Santo Atanásio (séc. IV) o afirma explicitamente: "O grande remédio para a salvação da alma é a humildade. Com efeito, Satanás não caiu por fornicação, adultério ou roubo, mas foi o seu orgulho que o precipitou ao fundo do inferno.  Porque ele falou assim: "Eu subirei e colocarei meu trono diante de Deus e serei semelhante ao Altíssimo" (Is 14, 14). E é por essas palavras que ele caiu e que o fogo eterno se tornou sua sorte e sua herança”.(Apud Card. P. GASPARRI, Catechisme Catholique pour Adultes. p. 345.)

Em que teria consistido essa soberba?

Segundo São Tomás de Aquino, essa soberba consistiu em que os anjos maus desejaram diretamente a bem-aventurança final, não por uma concessão de Deus, por obra da graça, e sim por sua virtude própria, como mera decorrência de sua natureza. Desse modo, quiseram manifestar sua independência em relação a Deus; eles recusaram assim a homenagem que deviam a Deus como seu criador e desejaram substituir-se a Ele e ter o domínio sobre todas as coisas: ser como deuses (cf.Gen 3,5).

São Tomás faz igualmente referência à seguinte passagem de Isaías — referente ao rei de Babilônia, mas geralmente aplicada a Satanás — para ilustrar o pecado dele e dos anjos maus que o acompanharam na revolta: “Como caíste do céu, ó astro brilhante [em latim: “Lúcifer”J, que, ao nascer do dia brilhavas? ... Que dizias no teu coração: ... serei semelhante ao Altíssimo” (Is 14, 13-14).

O pecado de Lúcifer e dos anjos que se revoltaram com ele teria sido, pois, um pecado de soberba, ou seja de complacência na própria excelência, com menoscabo da honra e respeito devidos a Deus.

Estes elementos se encontram em todo pecado — explica o Pe. Bujanda — pois quem ofende a Deus prefere a própria vontade, em vez da vontade divina, e nela se compraz.

Revelação da Encarnação

Não está formalmente revelado no que consistiu exatamente a prova dos anjos; os teólogos fazem hipóteses teológicas, como a de São Tomás, exposta acima. Francisco Suárez, teólogo jesuíta do século XVII, levanta outra hipótese: a prova dos anjos teria consistido na revelação antecipada por Deus, da Encarnação do Verbo. Os anjos maus se teriam revoltado contra a submissão em que ficariam em relação à natureza humana do Verbo Encarnado, a qual, enquanto natureza, seria à natureza angélica. Uma variante dessa hipótese é a que afirma que Lúcifer e os anjos revoltados não quiseram submeter-se à Mãe do Verbo Encarnado, pela sua dignidade ficaria colocada acima dos próprios anjos, embora inferior a eles por natureza. Essa hipótese, entretanto, está ligada a uma outra questão: se o Verbo se teria encarnado mesmo sem o pecado de Adão. Suárez, com algumas adaptações, segue a opinião de Duns Escoto e de Santo Alberto Magno, a qual sustenta que sim; São Francisco de Sales também participa dessa opinião. São Tomás, porém, é de outro parecer. Argumenta ele: "Seguindo a Sagrada Escritura, que por toda a parte apresenta como razão da Encarnação o pecado do primeiro homem, é conveniente dizer-se que a obra da Encarnação está ordenada por Deus como remédio contra o pecado. De tal modo que, se não existisse o pecado não teria havido a Encarnação, embora a potência divina não esteja limitada pelo pecado, podendo, pois, Deus encarnar-se, mesmo que não houvesse o pecado”  (Suma Teológica, 3, q. 1, a. 3.)

São Boaventura reconhece que a opinião tomista é mais consoante com a Fé, enquanto a outra favorece mais a razão. (In III Sent., Dist.I,a.2,q.2.) Embora ambas as opiniões sejam sustentáveis, o comum dos Doutores acha que a hipótese tomista é mais provável, sendo predominante entre os Santos Padres.

Santo Agostinho afirma: “Se o homem não tivesse caído não se teria feito carne” (Serm. 174,2.)

Em favor dela fala igualmente o Símbolo dos Apóstolos, isto é,  o Credo, quando proclama: “O Qual [o Verbo], por nós homens, e por nossa salvação, desceu dos céus “. Também a liturgia pascal, que canta: “Ó culpa feliz, que nos mereceu um tal Redentor!"

O Pe. Christiano Pesch S.J. diz que a posição tomista de tal modo se tornou comum, que hoje há poucos defensores da esposada por Suárez, quanto à Encarnação do Verbo. Daí decorreria que a hipótese de Suárez com relação ao pecado dos anjos ficaria também prejudicada. (C. PESCH 53, De Angelis, III, p. 71; cf. também Mons. P. PARENTE. Incarnazioni, col 1.751; I. SOLANO, De Verbo incarnato, pp. 15-24).)


A obstinação dos demônios

Nós homens temos certa dificuldade psicológica em compreender que os demônios, por um só pecado, tenham sido condenados eternamente, enquanto Adão e Eva puderam ser perdoados. Por isso, desde os primeiros tempos do Cristianismo, não faltaram autores que sustentaram a possibilidade de reconciliação dos anjos decaídos com Deus. Essa doutrina foi condenada pela Igreja e São Tomás explica a razão pela qual isso não é possível: em primeiro lugar porque a prova a que os anjos foram submetidos, a fim de merecerem a bem-aventurança eterna, teve para eles o mesmo efeito que tem para nós homens a morte; ou seja, encerra o período em que podemos adquirir méritos, e nos introduz na vida eterna, imutável por natureza. Os anjos bons, tendo sido fiéis, passaram a gozar da bem-aventurança eterna; os anjos maus ou demônios foram precipitados no inferno por toda a eternidade. Em segundo lugar, por causa da natureza angélica: os anjos, uma vez feita uma escolha, não podem voltar atrás, seja para o bem, seja para o mal. Porque eles não estão sujeitos à mobilidade das paixões humanas, sua inteligência é perfeita, de modo que eles não podem fazer escolhas provisórias, como o homem. Antes de fazer uma escolha, o anjo é perfeitamente livre; feita esta, sua vontade adere a ela para sempre, pois todas as razões que o levaram a fazer essa escolha já estavam perfeitamente claras para ele antes que a fizesse.

O lugar de condenação dos demônios

O Inferno

A tremenda realidade do inferno, como lugar criado para os demônios e os malditos, é atestada pelo Divino Salvador ao falar do Juízo Final: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o Demônio e para os seus anjos” (Mt 25,41). São Pedro ensina que Deus não perdoou aos anjos que pecaram prepitou-os no tártaro, para serem atormentados (2 Ped 2, 4).
E São Judas escreve que Deus “prendeu em cadeias eternas, no seio das trevas “, os anjos prevaricadores (Jud v. 6). Assim como o lugar para os anjos bons é o Céu, para os demônios é o inferno. Mas os demônios têm dois lugares de tormento: um em razão de sua culpa, que é o inferno; outro, em função das tentações a que submetem os homens: a atmosfera tenebrosa, pelo menos até terminar o mundo.

Os demônios dos ares

A doutrina de que os demônios vagueiam pelos ares para tentar os homens é claramente afirmada por São Paulo na Epístola aos Efésios: “O príncipe que exerce o poder sobre este ar...  os dominadores deste mundo tenebroso, os espíritos malignos espalhados pelos ares” (Ef 2,2; 6, 12).
E é confirmada pela Igreja, por exemplo, na oração a São Miguel Arcanjo, que o Papa Leão XIII compôs e mandou recitar ao fim da Missa, na qual invoca o Príncipe da milícia celeste, para que — pelo divino poder — precipite no inferno " a Satanás e aos outros espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas”.

A “hierarquia” entre os demônios

Entre os demônios existe urna “hierarquia”, que decorre do fato de, sendo anjos, uns terem a natureza mais perfeita do que outros. Por isso se diz que Satanás é o príncipe, o chefe dos demônios.
Não que exista entre eles uma submissão por amor ou respeito, como na verdadeira hierarquia; os demônios se odeiam mutuamente e só se unem circunstancialmente para atormentar os homens. É o mesmo que — explica São Tomás — se dá entre os homens maus: eles formam quadrilhas e se submetem a um chefe, apenas como meio de melhor cometerem seus roubos ou homicídios contra os homens honestos (Suma Teológica, 1,Q. 109, A.1-2.)
Os nomes dos demônios

Os judeus não tinham uma palavra específica para indicar os espíritos malignos; a designação geral de demônio para os anjos decaídos vem da versão grega do Antigo Testamento. A palavra daimon, entre os gregos, designava os seres com forças sobre-humanas, especialmente os maléficos. A palavra hebráica sâtân significa adversário, acusador; Satanás, o chefe dos demônios, é também conhecido nas Escrituras como Diabo (do grego diábolos, que quer dizer caluniador). Nas Sagradas Escrituras aparecem os nomes de vários demônios: Azazel, demônio que habita o deserto (Lev 16, 8-10, 26); Asmodeu, que matou os sete maridos de Sara (Tob 3, 8); o nome Belzebu (ou Beelzebul, cuja significação parece ser “deus do esterco”, nome com que os rabinos indicariam os sacrifícios oferecidos aos ídolos ) é apresentado como sinônimo para Satanás ou príncipe dos demônios (Mt 12, 14; Mc 3, 22-26); Lúcifer foi palavra escolhida na Vulgata* para traduzir para o latim a expressão “astro brilhante" ou  “estrela brilhante”, da profecia de Isaías (Is 14, 12), que costuma ser interpretada como uma referência à queda do Demônio; em geral esse apelativo é utilizado igualmente como sinônimo de Satanás.

* Chama-se Vulgata a tradução latina da Bíblia feita em grande parte por são Jerônimo, que iniciou seu trabalho por volta do ano 384. Essa tradução latina foi aperfeiçoada por iniciatiiva da santa Sé, dando origem a chamada Vulgata Sixto-Clementina publicada em 1592 pelo Papa Clemento VIII, em uso ainda hoje.
 (Fonte: internet. Autoria:“Anjos e Demônios - A Luta Contra o Poder das Trevas”, Gustavo Antônio Solímeo - Luiz Sérgio Solímeo)


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